terça-feira, 29 de abril de 2014

Reuven Feuerstein Faleceu.


REUVEN FEUERSTEIN FALECEU.

29 de abril de 2014.
Reuven Feuerstein morreu. Para muitos, quando Ayrton Senna morreu, foi uma grande dor, perderam seu maior ídolo. Para mim, Feuerstein era minha inspiração na Educação e a dor de sua partida é muito grande.
Nascido em 21 de agosto de 1921 em Botosan, na Romênia, logo imigrou para Israel e lá se estabeleceu. Fez seu doutorado em psicologia do desenvolvimento na mesma universidade em que Piaget era professor de Psicologia.  Conheceram-se.
Desenvolveu a Teoria da Modificabilidade Estrutural Cognitiva, mais conhecida como teoria da mediação da aprendizagem. Seu trabalho responde a inúmeras questões sobre o desenvolvimento da inteligência por meio da interação de qualidade. A neurociência vem comprovando muitas afirmações da teoria da mediação evidenciando que o fator mais importante para o desenvolvimento da inteligência de uma pessoa, seja ela criança ou adulta, é a qualidade da interação que recebe de alguém que conhece mais que ela. É o resgate do valor do professor.
Criou e desenvolveu o PEI – Programa de Enriquecimento Instrumental, um dos únicos sistemas de intervenção cognitiva à disposição no Brasil. Se uma criança tem dificuldades de aprendizagem o que se faz com ela? Recuperação escolar! No entanto ela só recupera conteúdos e notas, mas ninguém interfere em sua dificuldade que, infelizmente, continuará a existir. Feuerstein propõe uma intervenção nas formas de pensamento, no raciocínio lógico, nos instrumentos cognitivos. E isso tem sido fundamental para a superação das dificuldades de milhares de crianças no mundo todo.
Sua principal crença “Todas as pessoas são modificáveis”  se tornou axioma em tudo o que fazia e escrevia. Também acredito nisso. E como educador percebo que ao acreditar nessa máxima, minhas ações para resgatar um aluno que já “desistiu” fazem com que eu continue motivado, até que pequenas mudanças no aluno começam a surgir. E são a base para novas ideias, novas aprendizagens. O mesmo podemos dizer daquele professor que já está “desistindo” de seus alunos em face da pouca valorização que nossa carreira tem e do descaso que muitos alunos apresentam a respeito do papel da escola. Pensando como Feuerstein, é possível mudar essa realidade também. Não é fácil, mas é possível.
Seu primeiro livro em língua portuguesa está sendo publicado pela editora Vozes: “Além da inteligência”, no entanto há outras obras, de outros autores, que aprofundam aspectos da teoria, como “Mediação da aprendizagem – contribuições de Feuerstein e de Vygotsky” dos autores Marcos Meier e Sandra Garcia, o livro “Mediação da aprendizagem na educação especial” dos autores Gislaine Coimbra Budel e Marcos Meier, “Feuerstein e a Construção Mediada do Conhecimento” do autor Cristiano Gomes, entre outros. Em inglês o número de obras é muito grande.
Futuramente reconheceremos Reuven Feuerstein como um dos maiores educadores que o mundo já conheceu, no mesmo patamar de outros grandes como Jean Piaget, Lev Vygotsky e David Ausubel. Infelizmente, aqui no Brasil, nós o conhecemos tarde. E mais triste ainda é saber que algumas universidades, por não conhecerem as bases de sua teoria, confundem-na com behaviorismo, sem perceberem que se trata de interacionismo da maior qualidade. Mas nós, seguidores de Feuerstein, acreditamos que também essas universidades são modificáveis e que logo estarão desenvolvendo pesquisas dentro da teoria feuersteniana. Vamos esperar.
Na foto, o momento que recebi das mãos de Reuven Feuerstein meu diploma de Trainer, que me autoriza a lecionar os instrumentos do programa de enriquecimento instrumental, o PEI. Quero lembrar dele com esse sorriso escondido atrás do diploma, que é uma forma de acreditar que por trás das aulas, das teorias, dos sistemas e das escolas, o que faz a diferença é um professor que ama e que acredita que pode fazer a diferença. E isso é muito bom. É feliz.
Feuerstein, que sua alma descanse em paz, sabendo que aqui na Terra continuaremos sua obra, continuaremos a acreditar que “Os cromossomos não têm a última palavra”, pois não acreditamos no determinismo, mas na fé, no trabalho e no poder que a educação tem de transformar.
Foi uma honra ter sido seu aluno. Será honra ainda maior continuar seu discípulo, pois suas palavras estarão registradas para sempre nos livros, no mundo digital e em nossos corações.

Marcos Meier é educador, psicólogo, escritor, palestrante e Trainer no Programa de Enriquecimento Instrumental de Reuven Feuerstein.



quinta-feira, 24 de abril de 2014

Silêncio assassino.


SILÊNCIO ASSASSINO

Não há especialista em psicologia que explique a morte de uma criança que vai até a polícia pedindo ajuda e, mesmo assim, morre assassinada. Também não há linha de raciocínio que justifique aquela barbárie do massacre na escola em Realengo, no Rio de Janeiro. Nem mesmo palavras que possam fazer algum sentido diante da dor das famílias envolvidas. Mesmo assim os oportunistas de plantão esboçam suas teorias conspiratórias: era um louco, um radical religioso, um ateu, um terrorista, um machista que queria matar menininhas e um monte de outras baboseiras.
O massacre foi provocado por um jovem esquizofrênico sem acompanhamento médico, sem família e sem ninguém para orientá-lo. É de suma importância realçar esse ponto, pois o preconceito contra os esquizofrênicos é grande e está aumentando por causa da superficialidade das entrevistas de muita gente despreparada. Uma pessoa com esquizofrenia se estiver medicada e acompanhada pode levar vida normal a ponto de ninguém suspeitar de sua condição.  Outro ponto importante a ser realçado é que a justificativa que o assassino deu é de que havia sido vítima de bullying. O que é bem provável, no entanto é preciso cuidar para não aceitar isso como algo coerente. Não é. Se isso fosse justificativa para tal ato de loucura, outros “malucos” poderiam achar que têm o direito de fazer a mesma coisa por terem sofrido bullying. Infelizmente alguns veículos da mídia têm mencionado tal justificativa e ninguém reage. Aceitam!
Vamos relembrar a definição de bullying: são atitudes de um sujeito, ou um grupo, que intencional e sistematicamente provoca dor física ou moral em alguém. Traumas são construídos e vidas são afetadas. As vítimas sofrem durante anos e muitas acabam tendo problemas emocionais pelo resto da vida.
Outras violências, além do bullying e igualmente condenáveis têm acontecido em nosso país: aluno atira em professor; professora apanha de aluno; adolescentes brigam até sair sangue; assassinatos de crianças; pais que matam seus próprios filhos atirando-os pela janela ou aplicando-lhes algum tipo de injeção letal, desvio de verba de merendas das crianças; violência doméstica; falsificação de remédios...
Essas desgraças podem ser evitadas? É possível proteger nossos filhos disso tudo? O bullying pode ser detectado? Na maioria dos casos, creio que é possível sim!
Um aluno vítima de bullying muda seu comportamento em casa e na escola. É visível, isso não fica escondido. Os sintomas aparecem, mas, em geral, nada é feito! Os colegas de turma sabem quem ataca, provoca ou machuca outras crianças, mas muitas vezes, por medo, nada fazem. Alguns professores presenciam brigas fora da escola e dizem: “não é problema meu, já estou fora do ambiente de trabalho”.
Vizinhos ouvem os gritos de crianças, mas não denunciam os agressores, normalmente parentes delas.
A mulher apanha do marido e o povo tem coragem de dizer: “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. E ela sofre sozinha, desamparada, na companhia da surdez dos vizinhos.
Em todos esses casos, há um fator comum: o silêncio das testemunhas. O silêncio é parceiro da morte, da dor e da transgressão. É preciso mudar! Precisamos, como cidadãos, nos mobilizar para diminuir agressões como estas. Principalmente nas escolas! Toda a comunidade escolar, pais, alunos, funcionários e professores precisam agir contra a violência, contra o bullying, contra a agressividade gratuita e o desrespeito. Mas isso não se faz com passeatas de pessoas vestindo camisetas brancas com frases estampadas dizendo “queremos paz” ou “queremos justiça”. Manifestações como estas, apesar de louváveis e compreensíveis, não mexem nas causas. Não sensibilizam nenhum político. É preciso mais, é preciso chegar antes da agressão, interceptar seu caminho “natural”, prevenir, conscientizar, construir valores humanos fundamentais como o respeito, a solidariedade, regras de convivência, o próprio amor e tantos outros. Não basta remediar. Não basta punir. A coação não gera conscientização, ao contrário, desperta a revolta e suscita a vingança contra aquele que denunciou (muitas vezes a própria vítima).
Quando uma escola localiza uma criança vítima de bullying, na melhor das hipóteses, chama os pais para que ela receba apoio emocional e todos cuidam dessa criança. Mas quem lembra dos agressores? Normalmente são apenas punidos e rotulados por toda a vida escolar que lhes resta. É hora de mudar. Precisamos educá-los, ajudá-los a mudar sua percepção sobre si mesmos e o mundo à sua volta, pois são crianças em formação, adolescentes que ainda podem ter uma “chance” na vida. Se punição fosse educativa, ex-presidiários seriam exemplos de comportamento na sociedade.
Ao invés de investir em punição, os jovens precisam ter alternativas saudáveis como esportes, música, dança, teatro e outras atividades culturais oferecidas pelo estado, que tem por dever o bem estar social. Quando isso não acontece, muitos desses jovens são arrebanhados para as fileiras do tráfico, e a guerra fica cada vez mais difícil. Vale lembrar que uma ação simples já tem dado excelentes resultados: investir em esportes. Quando os jovens estão envolvidos com a prática de esportes, além do investimento em saúde física e na qualidade dos relacionamentos resultado da convivência intensa, eles estão num ambiente muito mais rico quando ao nível das interações. Panelinhas, grupos fechados, preconceito e outros comportamentos são logo detectados pelo professor de Educação Física. Esse profissional tem oportunidades de ouro para aprofundar o vínculo que tem com os alunos e ser um articulador anti-bullying e um promotor da paz. Novamente, insisto, também esse professor necessita de formação mais aprofundada na psicologia dos relacionamentos e apoio tácito quanto à organização de campeonatos ou outros eventos esportivos. O ambiente esportivo propicia o crescimento das boas atitudes e posturas, além de facilmente evidenciar as más. Em ambos os casos, a importância do professor de Educação Física agir de forma proativa é fundamental. Uma cidade que não investe nos esportes acaba abrindo espaço para mais adolescentes infratores.
O Estado não pode ser conivente com o crime. A sociedade tampouco!
Professores precisam ser apoiados e fortalecidos ao invés de serem processados por danos morais ao chamarem a atenção dos “fofuchos” indisciplinados. A acusação frequente é a de que o professor humilhou publicamente o protegido do papai, mas ninguém lembra da humilhação que o professor sofreu diariamente por meses, ou até anos, através da desobediência e desrespeito às suas funções ou até mesmo à sua pessoa.
Há muita coisa errada e muito trabalho a ser feito para corrigir os valores da sociedade. A escola tem sido sacrificada e espera-se dela que mude a vida dos adolescentes sem rumo. No entanto ela própria é que precisa de ajuda. Os professores estão abandonados, sozinhos, humilhados por salários ínfimos e pela falta de respeito da sociedade que cobra e não lhes dá nada em troca. Pedem deles formação continuada, que participem de congressos, que aprendam psicologia do comportamento e tantas outras exigências. Eles não conseguem nem ao menos comprar um livro, pois precisam investir seus baixos salários na própria sobrevivência.
E diante de tudo isso, o bullying e suas consequências estão presentes e precisam ser combatidos. Os alunos, a família, os funcionários, todos precisam se envolver para construir as soluções. Mas a escola precisa ser apoiada e não acusada como a mídia tem deixado escapar: “é preciso mais segurança nas escolas; os professores precisam estar mais atentos; câmeras de vídeo precisam ser acompanhadas”. Num programa de TV pude ver um repórter perguntar a um policial: “se houvesse um policial em cada escola isso dificilmente teria acontecido, não é?”. E felizmente a lucidez do policial foi maior: “Isso não resolveria! Se houvesse um policial lá, teria sido a primeira vítima do assassino”.  Há uma profunda falta de cuidado na transmissão de mensagens errôneas nesse caso e em tantos outros que envolvem comportamentos violentos.
A sociedade está doente.
Entretanto o que vemos diante de todos esses problemas citados? O silêncio. A inércia. As palavras que “explicam”, mas não trazem soluções, não previnem.
O silêncio vai tomando conta de todos nós, das escolas, da sociedade. É o silêncio dos vizinhos da esposa agredida. Dos amigos do aluno vítima de bullying. Da sociedade que há tempos vê que seus professores estão abandonando a educação por medo de serem mortos por alunos violentos. Silêncio dos legisladores que conhecem os procedimentos injustos que libertam criminosos e não fazem nada para mudar tal burocracia. Silêncio do estado que investe pouco na carreira do magistério mesmo sabendo que, com tantas famílias inadequadas, o professor é o último recurso para educar os jovens. Silêncio... Silêncio assassino.


Marcos Meier é psicólogo, professor, escritor e palestrante nas áreas de educação de filhos, formação de professores e gestão de equipes. Contatos pelo site www.meiererolim.com.br Suas obras se encontram no site www.kapok.com.br