Filho,
venha me buscar.
Meu
filho mais velho acaba de “tirar a carteira”. Está dirigindo bem, não perde uma
oportunidade. “Pai, posso ir dirigindo?” já virou frase rotineira.
Sábado de manhã cheguei ao aeroporto Afonso Pena cansado,
com sono, irritado pelos atrasos e liguei para casa. “Filho, venha me buscar.
Acabei de chegar”.
Para
minha surpresa, tivemos um diálogo mais ou menos assim:
-
Não dá
pai, você não deixou os documentos do carro em casa, você esqueceu e levou
junto.
- Ah, é
mesmo! Estão aqui comigo. Bem, mas venha assim mesmo, pegue o carro e passe
aqui no aeroporto, vou te esperar.
-
Pai, não
dá. É proibido andar sem os documentos do carro.
- Mas não
tem problema, se tiver uma blitz você me liga e eu vou até você de táxi com os
documentos.
-
Nem
pensar. É contra lei andar sem os documentos do carro. Venha de táxi agora.
-
É muito
caro desde o aeroporto, você não vai me fazer gastar dinheiro vai?
-
Não é
minha culpa. Venha de ônibus.
Fui
de ônibus. No caminho, pude refletir a respeito dessa minha vacilada na
educação de meu filho. A gente erra, acerta, faz o melhor que pode. Dessa vez,
errei. Mas, para minha alegria, pude perceber que os princípios e os valores
quando ensinados e vividos no dia-a-dia, permanecem. Os erros que a gente
comete, os momentos em que não somos exemplos de vida, não chegam a estragar o
longo trabalho realizado durante anos a fio.
Senti
uma forte sensação de realização. Meu filho é um homem que não cede a pressões
psicológicas se tais pressões estiverem contra seus princípios, contra seus
valores.
Na
Psicologia, sabemos que a constância da nossa relação com os filhos produz
neles a qualidade emocional necessária para enfrentar a vida e suas
dificuldades. É nessa interação de qualidade que auxiliamos nossos filhos a
desenvolver segurança emocional, resistência a frustrações, tranqüilidade nos
conflitos e, o que é principal, uma autoestima suficientemente adequada para
não vacilar diante das pressões sociais, para não ficar inseguro diante dos
conflitos que a vida propõe. Autoestima
saudável dá a nossos filhos a real dimensão do valor que eles têm e do
potencial que está à disposição deles na hora de enfrentar novos desafios. Não
uma autoestima inflada por uma visão irreal do mundo e que acaba produzindo
jovens agressores. Não uma autoestima fragilizada que não lhes permite
acreditar que é possível ser significativo nessa sociedade. Mas uma autoestima
tão bem construída que permite que se diga: “Pai, pegue um ônibus”.
Nunca
andei de ônibus tão feliz.
(Extraído do livro Sapatos e Letras - Marcos Meier, Editora Melo. 2008)
(Extraído do livro Sapatos e Letras - Marcos Meier, Editora Melo. 2008)